segunda-feira, 5 de julho de 2010

O Nelo Morreu

tu chegas à rua e vês os punks todos a correr atrás
de um paquete que provavelmente lhes traz sangue
para beber, e os consulados levantando os
telhados para saber como está o tempo e a cor do céu.

O sol parece querer fazer o mesmo à tua cidade
que fez a Roma o Nero, à medida que as nuvens
te dizem " boa sorte, cavaleiro", num tom que
não te parece sincero.

tu queres ir ao outro lado da rua, mas há uma afixação
no poste que se ergue para o céu, sugerindo uma obra
que termina apenas em Janeiro. e tu já sem tempo e
tão velho, procurando ticas de cigarros entre as folhas
do canteiro.

essas árvores, elas vão estar assim enquanto te puderes
lembrar delas, e por agora, não há nenhum vento que apague
as velas que ainda te iluminam a casa: e quem precisa de peles
e vestimentas, quando a estrada reflecte o céu em brasa ?
e para que precisas da dignidade, quando a tua saca, pela sua
extremidade, e sem o teu consentimento, vaza ?

não está ninguém entre nós que esteja velho
em demasia para voltar a ver o mar
e como todos temos pelo menos um espelho
é estranho que só tu não te consigas ver ou alimentar.

o teu mundo está perto de acabar, não está, Nelo ?


Paulo Oliveira