domingo, 25 de abril de 2010

Esteves !

oh Esteves ! porque não entendes ? eu não quero perturbar
ou dar convulsão ao seu espaço. eu só quero dormir ao lado dela.
oh homem ! entende : mesmo que me tirasses o coração
eu continuaria vendo razões para me apaixonar por ela.

sabes a ventania que entrava no comboio ? era a janela que
eu abri, essa era a minha paixão ! viste como ela levantou
todos os papéis do divórcio para fora, como um furacão ?
não devíamos ir embora.

porque aquele homem há frente chora ? provavelmente
porque chegou a hora dele. mas a hora dele não é a nossa,
e a nossa hora não é agora. porque olhamos para o ar
como quem vê o futuro, se nem controlámos o passado ?
o que eu digo, e que te entra atravessado, é que nos façamos
como animais ao que nos supera.

o meu amor é uma fera que me revolve, e o amor que sinto
por ela é a gamela onde cuidam os restos da minha imposição.
o que eu sou é falhado.
mas a verdade, Esteves, é que nunca tive tanto desejo de vender
a vida para passar um bocado com ela, oh Esteves,
e isso é sagrado.


Paulo Oliveira

sábado, 24 de abril de 2010

É a Ofélia, atrás do arbusto

é Ofélia, atrás do arbusto, como aquela que Pessoa amava.
podes reparar como ela se move e é sagrada e como o vento
lhe rasa ao lado, como se tivesse pactuado com o Diabo em
como não a revelava.

mas ela, sabes que ela, é a mulher do Diabo. e toda a gente
o sabe, desde o jardineiro que te poda todos os alecrins até
à Amália entre a roda de almeirins enquanto canta o fado.
e tu não pensas nisso, mas tens notado, que ele se afasta
de ti, como se servisses para ser ignorado.

Paulo Oliveira

sábado, 17 de abril de 2010

Como o Documento das Fronteiras ( Foste Ultrapassado )

tu vês o paquete chegar,
com um pacote que nem tentas
alcançar,
mas sabes que este não traz nada
que te satisfaz e estás pelado.

nem sabes a sorte de não
haver uma lei que nos fizesse
não te ver chegar pedrado,
devias ser mandado para a zona
que te viu chegar.

tu sabes que sempre que lês
a ordem morres um bocado,
mas agora serves a Espanha
e foste completamente
ultrapassado!

Paulo Oliveira

terça-feira, 13 de abril de 2010

Convulsão

esqueci-me do chapéu. passei pelo polícia
que prendera o Artur, quando retornei a casa,
e cruzei-me na entrada com o porteiro, seguro
que ainda não passara no dia currente.

atravessei a porta sem a abrir, enquanto
ouvia do meu lado esquerdo uma discussão sobre
plástico. ainda cheirava a ácido,
contundente e profuso, havia ele queimado as heras
que cimentavam o edifício ontem, tardio na sua morte.

saí de modo a aproveitar o sol, mas não senti
qualquer calor, e apesar de ter trazido o meu melhor
chapéu, o meu melhor casaco e o meu melhor acto,
ninguém me resolveu ou avistou.

rompi pelo café,
mas ninguém me viu entrar,
nem havia ninguém que eu esperasse
ou que me fizesse esperar,
e eu procedi passando despercebido.

Paulo Oliveira

O Teu Jardim de Magnólias Verdes

não vês a perfeição do chilreio do abutre
que te segue assumindo que está enganado,
ou a harmonia da flor que cresce entre
o prado, para tocares quando te sentares,
a ver o nascer do sol ?

não notas a histeria dos novos pobres e
a velha prol solta passando ao teu lado,
enquanto carregas um podre rancor
cansado de suportar a tua falta de alegria ?

a verdade é que a noite é escura
como um dia abandonado, e na rua
sempre haverá alguém a vender uma história
que não é sua, mas como és capaz de ignorar
pelo céu fechado a beleza do luar ?

Paulo Oliveira

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A Luz da Manhã

o sol acabara de pôr-se e eu havia chegado;
a papoila que trazia na mão murchava e o
céu cinzento proliferava algo que me era
incerto.

o vento passou adrento do meu peito;
eu levava o meu coração aberto rasando-me
sem vontade nem proveito e o silêncio
caminhando tão perto.

a tabuleta diria mais tarde que ela morrera;
no momento não dizia nada. e a coisa
mais bela que eu faria era esperá-la.

Paulo Oliveira

sábado, 10 de abril de 2010

O Dia em Que o Tempo Morreu

na tribuna do Estado desfalecia um Deus inútil, prostrado
sobre as grades negras como um sonhador desolado, e,
inanimado, jazia um ginecologista bajulador que tentou
animar o travesti errado. no palco, à frente dos lugares
mais bem colocados, um palhaço lançava pó de talco ao
som de fado, e a personagem principal descobriu quem
pensava ter desafiado, que se figurava como um animal
às luzes fortes do Senado.

a cena principal envolvia um limoeiro e celophane que
fazia de plantas e flores, e o rei nos bastidores estava
apaixonado pelas estrelas de todas as cores que envolviam
o céu.
eu lembro-me de tudo isto pois foi nesta peça onde
o tempo morreu.

Paulo Oliveira

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Desejo ( Revisitado )

cuidado ! os santos estão a correr atrás de mim,
e por acumulação provavelmente também estão
a pensar em ti. gostava de os ver todos a chorar
também, reformulando em si o que não é suficiente
para alguém os puder amar, mas isso depende de ti,
não é ?

tenho guardado este pensamento, de que as árvores
crescem, para tu construires o teu império de madeira,
e o vento sopra, para te levar inteira, a voar, pelos campos
onde a relva é tua, ou pelo mar onde essa consciência que
te falta anda núa, da mesma maneira que a minha culpa.

antes tínhamos em quem confiar e a nossa maneira de
beijar era praticamente a mesma. agora deixas-me passear
o meu corpo vazio pelas ruas velhas de Viseu como uma lesma,
este corpo do qual não há certezas se é meu, ou se mo roubaste
também com a tua furtosa delicadeza. e diz-me pois, porque te
anseio, pelo teu corpo e pela tua beleza, ou porque as flores na mesa
parecem querer lembrar-me a cor do teu cabelo. explica-me porque
és exacta e concisa, e não te importas de andar perdida numa incerteza
que só serve para nos arruinar. conta-me as histórias e faz-te de entendida
sempre que eu quiser sorrir,
porque não é o fundo que está anormalmente a subir, mas o
céu que vem caindo sobre nós.

Paulo Oliveira

terça-feira, 6 de abril de 2010

Desejo

a minha vizinha toca a trompeta demasiado alto
e o homem que lhe traz o leite ronca e ouço um
salto do mágico que engole espadas, sempre
que se dá à tentação, e alguém me diz que é má
vizinhança enquanto eu só vejo inspiração.

eu não caminho, mas o chão mexe-se de um lado
para o outro ao sabor da minha intenção, e tenho
um palhaço que mexe cordéis para eu sorrir, e um
lobo que cerra os dentes sempre que quero abrir
a boca.

o meu padre disse-me que teme que sofra de solidão
mas ele sabe que é vê-la na cara dos meus entes queridos
que me parte o coração. talvez se vendesse todas
as árvores do pátio, encontrasse todos os meus ajudantes
que andam perdidos na escuridão. e eu podia ir caminhar
sobre esses tordos mortos, e tropeçar, mas será que tinha
onde cair ?

Paulo Oliveira

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Fatuidade do Destino, Amor

acordei e vi o meu corpo
morto e prostado no topo
do monte.

esse sol, velho e torpe,
com esse brilho torto,
que me conte tudo que se passou,
se foi depois da madrugada
que morri ou se foi a lua
que me matou.

Paulo Oliveira

Estria de Vento

os missionários faziam uma capela com pedras
mas elas iam rolando e nenhuma delas encaixava,
nem nenhum deles reparava enquanto prosseguia
o trabalho, pois andavam iluminados apenas por
uma vela.

eu caminhava todo o dia, e ao lado da capela
havia uma mina, onde o Camprão escavava ouro,
e sempre que passava, ele me perguntava ademais
que raio eu estava ali a fazer. o sol brilha lá em cima
e ilumina-nos a todos, mas há poucos que são plantas
calmas, o resto de nós são praticamente todos animais.

o monte Kilimanjaro estava branco e alguém queria
que se dissesse alguma coisa sobre o assunto ao chefe da tribo,
que funcionava como um delegado com um carimbo,
assinando sobre algo outra coisa qualquer, com poder ou histeria.
um dos missionários estava voltado para a parede, com os dentes
no chão, esperando uma reencarnação, e eu olhava a porta
que ela deixara aberta, e pela estria passava uma brisa que me fechava
os olhos e arruinava qualquer edificação da alma.

Deus não quis acreditar, nem sequer assumiu a tinta negra
nos meus olhos como uma desova por antecipação,
e não quis creditar o cabelo que enchi com creme de açafrão,
não aceitou a desolação nem me levou para o seu reinado.
uns passos longe do poço, caiu como um tordo um monstro,
lento e variado, que nos era tão esperado como a morte.

Paulo Oliveira