domingo, 18 de janeiro de 2015

Rendez vous

enquanto se fala do que transcede o céu no Rossio,
entre o velho erudito e o bebé abandonado, o júri
olha um fluxo de água e nomeia-o um rio.

é tudo deles
até os ossos dos que já morreram.

e sobre o céu o que eu sei,
é que o olhavas,
sempre te disse que eras o meu astronauta.
de qualquer forma,
sinto a tua falta.
esta camisola que eu visto
não é bem de lã
nem o sol que nasce é bem o amanhã
e o cansaço brilha
sobre as luzes da ribalta.

tudo o que vejo
já foi nosso uma vez.
já tivemos as ruas para estar a sós.
nós já fomos
um pouco mais,
quando acreditávamos piamente
que o que escolhíamos
era a nossa voz.





domingo, 2 de dezembro de 2012

esta cidade é uma colher de prata poeirenta
não é adequada ao sumo que és.
tu, de palavra lenta,
olhos portões de suspiros calados
lágrimas como marés
rompendo os meus lábios cansados

eu não sou adequado ao sumo que és
os teus braços não cabem no meu pátio
e a tua mão de estio
cai sobre o meu corpo frio
como um gato sem pés
do alto sem rede...

o sumo que és
alguém o bebeu
e eu vazio e com sede.





quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

o teu casamento vai ser daqui a 23 dias eu sei-o,
a tua mãe veio-me entrar o convite
com aquele sorriso na face
que diz "o mundo não é tão feio?"
eu sei, tu andas perdida pelo meio
só queres que o tempo passe
até lhe dares um genro e um neto.
por hoje já te deves ter arrependido do
"és um vagabundo"
foi um insulto, não foi um repto
se nao nao querias que batesse no fundo.
anda lá, não vês ainda hoje o que seria?
avé, oh avé, avé maria

segunda-feira, 5 de julho de 2010

O Nelo Morreu

tu chegas à rua e vês os punks todos a correr atrás
de um paquete que provavelmente lhes traz sangue
para beber, e os consulados levantando os
telhados para saber como está o tempo e a cor do céu.

O sol parece querer fazer o mesmo à tua cidade
que fez a Roma o Nero, à medida que as nuvens
te dizem " boa sorte, cavaleiro", num tom que
não te parece sincero.

tu queres ir ao outro lado da rua, mas há uma afixação
no poste que se ergue para o céu, sugerindo uma obra
que termina apenas em Janeiro. e tu já sem tempo e
tão velho, procurando ticas de cigarros entre as folhas
do canteiro.

essas árvores, elas vão estar assim enquanto te puderes
lembrar delas, e por agora, não há nenhum vento que apague
as velas que ainda te iluminam a casa: e quem precisa de peles
e vestimentas, quando a estrada reflecte o céu em brasa ?
e para que precisas da dignidade, quando a tua saca, pela sua
extremidade, e sem o teu consentimento, vaza ?

não está ninguém entre nós que esteja velho
em demasia para voltar a ver o mar
e como todos temos pelo menos um espelho
é estranho que só tu não te consigas ver ou alimentar.

o teu mundo está perto de acabar, não está, Nelo ?


Paulo Oliveira

terça-feira, 15 de junho de 2010

A Reencarnação do Older Veemster e o seu Cavalo

o chefe do departamento de construção civil
sabe pouco de edificações turísticas, mas tem em
bom contemplação o que veste. e o que ele ensina,
sobre vigas, é que não podes perder o que nunca tiveste.

as coisas pequenas e doces estam embevidas nas apostas,
e o cheiro nauseabundo que circula o ar vem das fossas,
que o ministério da cultura inaugurou por um papel sobre as costas
do obeso circulador de oxigénio que vende comboios.

Os autocarros, eles têm todos listas azuis, e os bancos,
todos têm tapetes de arroios, para tapar fluídos e consternações
de toda a gente que é regular. Mas não é pelos odores a passado
que te fazem temer entrar, não, é porque tens medo de vê-la passar.

a bandeira da bomba de gasolina atiça-se ao vento
enquanto o condutor da 500 cc se queixa do mau tempo,
e o velho mendigo engole um cêntimo, e reza por uma
transfiguração imediata. do lado desta irrompe a frota dourada
de Mercedes com o pequeno marcador de prata, que demonstra
algo de ostentação pura e pouco barata, e uma consternação
fraca e irremediavelmente dura.

tu colaste a tua fronha ao vidro que ia a passar
sobre a casa da velha D.Dores e pelo bazar, e gritaste quando
viste todas aquelas cores, que inferiste ser por estar mocado,
mas a única coisa que tu querias era voltar a ver flores.

o mar, ele vem salgado, e não parece contente,
nem algo descontentado, mas puro, e veemente
como uma passagem indecente de tempo,
ou um excerto irrelevante de fado.

do outro lado da praça ouvia-se uma doce voz,
morta, de quem quer espaço, e tu ardeste de novo feroz,
pois, afinal, era como ela, uma mulher, e tu és como sempre
foste, um embaraço.

a tribuna mercantil da secção oeste reina ardil mas escondida,
como uma vítima de incesto ou um ser extraterrestre,
ou, mais latamente, um indíviduo padecente de sida,
ou ainda um monstro feio e seriamente lixado, que,
muito ironicamente, controla qualquer um e todos os aspectos
de todas e qualquer uma vida.

e aquele espaço vazio junto à floresta, onde toda a gente
parou para tomar a merenda ou confortar uma sesta,
caiu-te como uma advocação do diabo, pois, invariavelmente,
é para ela que jaz a tua mente quando tens de pensar um bocado.

Paulo Oliveira

sábado, 12 de junho de 2010

65 Feitiços

Vão dois tipos na rua
e tu andas lá núa,
com dois cigarros na boca
com o dobro da velocidade
de uma mota oca a dar a
volta à cidade. oh, e andas
a cheirar o cabelo a toda
a gente que anda a mendigar,
e a levantar o pêlo a toda
a gente que ainda tem pêlos
para eriçar, e a cantar versos,
e a vender garrafas de ar,
e a roubar terços a toda a gente
que ainda tem fé, e a pisar
toda a gente que ainda tem um
pé para pisar.

Os camiões roncam com as suas
cilindradas, e as modelos andam
todas mocadas pela estrada,
e o agente tem um espada,
que ele confunde com uma rocha
foliada, entre as coisas que aqui
estão, e o que não há, que é nada.
O polícia deixou cair o chapéu,
mas não era um chapéu, nada
tinha a ver com um chapéu,
era um véu, e ele era uma polícia,
na planície, " sissie ", que afinal
é uma serra. PÁRA DE TIRAR`
O CÉU DA TERRA.

Paulo Oliveira

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Igreja do Carmo

Na Igreja do Carmo o sino dos sinais caiu,
aparentemente porque um rato roeu o cabo.
Ao par que alguns dizem que é obra do diabo
outros defendem uma fatuidade do destino.

Os missionários confessam os violadores,
em nome do Senhor, e as velas com as suas
cores claras estão agora brutalmente douradas.
A porta de entrada, cheira a verniz e o sacristão
demente coloca intuitivamente na perdiz assada
pitadas de salsa e açafrão.

O vento anda a roçar nas cortinas de seda. O padre
Serafim queixa-se que vem da alameda que corta a
estrada junto ao portão. Tudo isto ele diz, quando
prevê que vem o fim, e tudo indica que foi ele que quis
que ele viesse, porque é assim que ele o tece. Ele termina
todas suas homilías com típico " rezem por mim ",
e um sorriso atípico, que olha todas as
indeterminações da vida, e as assassina.

Paulo Oliveira