quarta-feira, 31 de março de 2010

Pregação de Esquina

o evangelista riscava o seu saxofone, com um giz disforme
de uma cor negra e irreconhecível, enquanto lia a sua lista
de nomes de pessoas vivas que ele queria mortas. o seu
esforço tornou-me em arrepios as costas por ser em vão.

o homem velho era morfológico como o fogo, e analógico
com uma arma nuclear maciça, nem era escasso ou irreal
a surpresa que mostrava sempre que alguém o ignorava.
retirou de um livro um folheto que trava entre os dedos,
de tal forma que todos o afastaram do pinhal.
o homem era fogo mesmo !

eu ignorei-o logo, como se fosse uma vítima traumática
de um incesto, e ele aludiu-me como se fosse uma besta.
não há nada que eu temo mais que quando os deuses são
mulheres.

Paulo Oliveira

terça-feira, 30 de março de 2010

Não te vi

a vendedora de fruta colocou o seu carro debaixo da tua varanda
e as heras caiam-lhe sobre a face. nem que eu tentasse porventura
alimentar-me, viria de novo essa inútil esperança.

pedi que dissessem quando te vissem na capital, algo sobre mim
que me fizesse parecer forte. como podia saber que te olhar me fazia
mal, enquanto tu passeavas pelo nosso norte ?

sabes amor, quando o teu autocarro saiu, eu não o persegui, porque
assim não entendi que era suposto, enquanto o condutor no seu posto
me olhou com desprezo, e eu senti-me preso em algo que não era real.
tinha o meu cigarro aceso na mão, e o fumo deste que eu acendi,
ondeou-se e eu perdi toda a minha visão. mas acredita, amor, que todos
os bafos que fui dando e chorando deram-se ao coração.

o vendedor de alibis estava encostado ao poste de alta tensão,
com um nervo inédito na sua mão. eu passei, entoando um verso,
sobre como matei o meu único irmão, e ele esperava alguma tentativa
de expiação, mas eu não tenho qualquer motivo, senão este de sofrer
prostrado na cama da prisão. ele ignorou-me, olhando o chão com rancor,
e adivinhava nos meus olhos, imaginando subliminarmente, que todos os
homens tornam a cabeça ao chão quando pensam em amor.

eu não tenho motivo para passar nestas ruas, na tua varanda de ferro,
pelo teu colar de diamantes ou pelos teus olhos da cor do ouro. eu sei
que se penso em ti estouro, por isso, em todas as promessas que eu não
desmenti, se passares por mim, finge que eu nunca te vi.

Paulo Oliveira

segunda-feira, 29 de março de 2010

O Sonho do Paulo Oliveira

toda a gente anda a responder a perguntas sobre mim
em busca de respostas sobre eles mesmos, eu bem vi,
a mãe do surdo perguntando-lhe o que ele achava, e
ele, que também era mudo, não lhe disse absolutamente
nada.

toda a gente me anda a perguntar o caminho para
algum lado, do grande fórum até ao estádio, ouvi alguns
dizendo querer olhar por segundos e outros esperavam
encontrar alguém para planear um golpe de estado.

toda a gente que pensa que sabe sobre alguma coisa
vem-me dizer que eu sou muito versátil e contráctil,
mas infelizmente nem esticado dá nada, nem para nadar,
como aquela estrada que eles construiram no meio do mar.

toda a gente me tira fotografias, a tentar roubar-me
a alma, como se fosse algo essencial, e eu ouço-os
e poucas não são as vezes que me apetece ser louco
e começar a terceira guerra mundial.

Paulo Oliveira

domingo, 28 de março de 2010

Trinta e Oito, Vinte e Cinco (38,25)

Atrás do Parlamento, nas ruas em que o
momento se recolhia pelos deputados
nas pontas dos cigarros de secretários de
estado, todos escusados e todos internados
nalguma espécie de suposição, enquanto
o Presidente da República consumava
os seus supositórios com a cabeça erguida
em comulsão, algum parvo tentava
passar uma lei sobre a fragilidade da população,
que exigia o reconhecimento e a sua afixação.

O meu segundo filho da terceira noite,
com a quinta mulher, disse qualquer afirmação,
antes de se remeter para a prisão, qualquer coisa
sobre o segundo da quarta noite, que me fez pensar
na mãe do décimo filho, antes de me ver perdido,
no meu próprio desejo escondido, que eu julgava
perdido, de ter um tesão.

A compensação da mulher do barbeiro,
está escondida atrás do candeeiro, uma conjunção,
sobre um terreno com um grande poço de petróleo
e o raio do velho, vê o seu negócio iluminado a óleo
ou a azeite que as corujas bebem. Do outro lado
os putos engolem leite misturado com aguardente,
porque no Alentejo o sol pode bater no chão,
mas a garganta nunca fica tão quente.

Eu estive acordado a noite toda,
a bater nas grades da janela, a brincar com
o meu pente, e as pessoas passavam
com um jeito indecente, lá pela rua dupla,
e estava a pensar como o sol fica bonito,
quando está a cair. Se eu morrer no topo
deste monte, alguém se lembrará de mim ?

Paulo Oliveira

Abrigo da Tempestade

tu gostas de tudo o que é doce, e eu sou como a brisa
suave de Maio que nasce do sol. tu beijas tudo o que
é grave e eu tenho o coração mole. agora agarras-me
mas foges de mim, e ignoras tudo o que te digo sobre
disparares para o céu, se não tens a certeza
onde a bala vai cair.


o sol lá fora brilha, sabes, e no teu abrigo, há nuvens
grandes a abrir, e as paredes parecem partir,
como se fossem os carrascos do teu bem merecido
castigo.

Paulo Oliveira

sábado, 27 de março de 2010

Eu Sou Um Jogador

Se eu tivesse de pagar pelas dúvidas
que te fiz ter, pelas lágrimas que tive
de ver, e pelo tempo que te fiz esperar,
então que nunca te toque mais,
ou mais facilmente me tirariam o ar.


Se alguma vez tiveres de responder
por tudo o que me fazes sentir,
eu provavelmente estarei a ir,
até ao cais.

Paulo Oliveira

quarta-feira, 24 de março de 2010

És uma Hipócrita

Insistes em vestir-te de preto quando vens à luz do sol,
e caminhar contra as brisas e o vento que te incrimina
quando os pedaços de papel voam e alguém te felicita
pelos desenhos que fizeste e dizias serem poemas.

É o mais certo, que adores a primavera, mas ainda
assim gritas às andorinhas para sairem de perto de ti.
Provavelmente também dizes aos desesperados e aos
inúteis para confiar um pouco mais em si.

Não negues que por vezes pisas os meristemas das plantas
para ninguém te dar dessas flores que adoras, mas que te
fazem quebrar, de todas as cores que devoras quando
finges sono para ninguém saber que estás a sonhar.

Nem que enganasses mil advogados a acreditarem na tua
inocência, nem que oferecesses trocasses com os mendigos
as tuas posses por alguma convalescência, nem que passasses
por perigos por alguém a quem falta decência, ainda assim
terias esses olhos mortos e essa cara vermelha, que treinas
durante horas à frente do teu espelho.

E tu lutas por não puderes amar, quanto eu luto
por ti. Era fraco da minha parte
deixar tudo acabar
assim.
Tu sabes, toda a gente que luta contra si mesma, morre sem nunca
ver dela o fim.

sábado, 20 de março de 2010

Chuva Inútil

o fio do rio trazia ramos finos como veias
esquecidos pela tempestade ocorrida
no dia anterior, quando ela disse que
as minhas palavras lhe abriam uma
estúpida ferida de uma estranha cor.
eu não podia saber o que me esperava
e até ela, que colhia as maçãs do pomar
com todo o seu amor, compreendia que
essa dor era dela, e eu só podia tentar
acalmá-la.

acordei com os meus olhos fitando o chão
e a única questão que me assombrava,
enquanto os camiões passavam na estrada.
os condutores obesos buzinavam e os sons
sobrevoavam a minha cabeça, mas o meu
coração é mole e o seu amor é tanto um pouco
obscuro. tomara que essa rua fosse de ouro,
e o meu coração fosse puro, mas a névoa é
espessa, e eu não espero por mais nada.

ela, que provavelmente só respira quando
a brisa sopra forte, não quis saber porque
tinha o meu pensamento e porque acabara
de lho dar. não se lembrou da minha morte
nem por momentos, e considerou por sorte
que eu tivesse parado de pensar.
e a verdade é que caminho e vou pensando
e tocando nas árvores, nas suas folhas e nos
seus frutos, e ainda sinto que no céu vão
sobrevoando, sobre mim, um punhado de
abutres.

os livros sobre metamorfoses iam ficando
molhados no meu bolso, pela chuva que cai,
e ninguém andava na rua pois mais certamente
é essa mesma idosa que segue o seu caminho núa.
este lugar nunca me fez bem e foi uma má estreia,
mas, a bem ver, não havia outra maneira de apreciar a lua.

ela chama-me de inútil, eu considero-a difícil,
a vida é recta porque ignora a curva.
antes, falava-lhe ternamente de amor e
de circunstâncias, e agora cito Neruda para a chuva.
não estou cheio de raiva, mas também não tenho
nenhuma paz, nem não há outro pedido que me
acesse e nem nada que me satisfaz, senão esta chuva,
tão alegre em me molhar, a arrastasse consigo sobre o rio,
e a levasse para o fundo do mar.

a verdade é que não não preciso de emoção
para sonhar, nem despedidas para chorar,
mas faria tudo para olhar, sobre o candeeiro
junto ao rio, a consideração dela enquanto
eu sorrisse, ao alto, fugindo, tão inútil
quanto ela !

Paulo Oliveira

Vento Idiota

eu amo-a como
o vento ama as flores que desfaz
e os arbustos onde o caule jaz
intacto.

como o fogo que queima
quem dele se aproxima
e como o padre adulador
que desdiz tudo o que vaticina

como o cancro
que suporta toda e
qualquer medicina,
eu a amei, paciente e franco.

Paulo Oliveira

É Preciso Muito Humor, É Preciso Muito Tempo

os dois homens que entraram pelo Cais
vinham a espirrar e a remoer sobre o empresário
das minas dos sais que eles iam escavar
até alguém se lembrar de tomar a conclusão mais
drásdica de os embebedar.

e eu olhava-os com os olhos vidrados
e os meus cabelos abanavam-se e estavam cansados
do vento e da brisa do mar.
alguém me empurrou e se desculpou
mas a verdade é que eu estava ocupado
a engolir e a divagar, e esses mineiros
fitaram e engargaram os amendoins
para a pistola de dois canos que eu tinha na mão.

o cano abriu-se e não tinha balas
nem lanças nem setas,
nem facas nem picaretas,
enquanto eu entoava as escalas
de blues que eu conhecia e outro copo de Golden Strike
viria nas mãos dos empregados.

outro me empurrou,
" hey, cuidado, rapaz "
mas nem o matar é coisa
que me satisfaz. "rapaz,
sê audaz, e desaparece,
isto é uma coisa estatal,
aqui ninguém quer começar
a terceira
guerra mundial"

era certo que os mineiros voltariam a falar
de algo que os voltasse a incomodar,
e os professores de universidades bêbedos
iriam dizer que a vida é um remédio
os filósofos da Avenida dos Aliados iam
encontrar qualquer razão para te dizer
que pensar numa mulher é assédio
e os barcos iriam continuar a passar.

a minha camisa dizia algo nas costas
que passava por " sou transparente "
e na minha testa estava escrito que eu
era invisível, porque a mármore do bar
tinha a mesma cor de pele que eu e a senhora
dos shots ainda não me havia servido,não havia
incómodo em me empurrar. o ponto alto da noite
seria que eu poderia dizer algo indecente
e podia incomodar toda a gente a toda a hora.

o advogado da Segunda Rua para o Monte
subiu à mesa gritou pela demora
e aplepsou-se junto à fonte. eu pergunto-me
se alguém me enterrava,
se eu morresse no topo do monte.

Paulo Oliveira

quarta-feira, 17 de março de 2010

O Alto Sol a Nascer na Encosta da Praia

eu quero veado com salsa,
ela quer correr descalça,
eu digo-lhe que pode ser sujo
e para ter atento de pregos,
mas ela é surda e os meus
olhos teimam em estar cegos.

Adoro-a do Fundo do Meu Coração

a instituição gere-se no cimo do vale
por todos os candidatos e o capitão
a instituição gere-se no fundo do espaço
onde não há nada que estale
nem terra para plantar açafrão

os candidatos vivem em grupos de três
todos em pares , todos concordam
entre si, todos têm opiniões díspares,
todos têm cabelo, nenhum tem cabelo,
todos têm ares, todos têm opinião,
mas não há um que tenha um pulmão.


(têm todos dois.)

a instituição é perto da casa do capitão
que vive no cume de uma montanha
situada numa planície onde vive um
artifíce que faz uma mistela castanha.

todo o teu amor, para nós,
é reconhecidamente pouco.


Paulo Oliveira

terça-feira, 16 de março de 2010

A Nossa Chuva são Cobras que Caem

na casa de cianeto onde os leões habitam
alegram-se sempre que os veados saem
e a única chuva que nós temos e sentimos
são quando todas as cascavéis caem.

Nós estabelecemos um novo baixo,
como as moléculas radioactivas que decaem,
ou quando de uma videira de bons vinhos,
cai gravemente um bom cacho.

Paulo Oliveira

As Pessoas Acenam Para a Minha Janela

Sou o absoluto. Algo que me preceda ou proceda
não é quantificável ou imaginável.
Todas as mulheres que passam pela minha janela
com o coração volátil,
incendeiam-me a alma.

Sou o Ômega. Tudo o que existe fora do meu corpo
é a materialização do meu pensamento.
Todos os homens que passam pela minha janela
divagam sobre algo,
perdendo o seu tempo.

Paulo Oliveira

sábado, 13 de março de 2010

Abrigo Nuclear do Sol

Não há muito tempo,
eu tinha uma casa
cuja estrutura se assentava
em nós negros de madeira
e toda a gente que por lá passava
sorria e perguntava
o que guardava na algibeira.

Eu nunca vi uso dos nomes
se todos se agitam da mesma maneira
e nunca percebi
porque o padre usa botas
se já nasceu na lama.

Não é raro que o abáde guarde
todas as suas preciosidades,
em paredões no meu sótão,
e recite dos seus livros
em noites de tempestades
alguma oração
aos corvos e à lua

A casa tem janelas com cortinas
para esconder a falta de sensações,
sabendo que o meu coração,
não é falso, mas é mole,
e tem um telhado que não deixa
entrar a chuva, nem que brilhe o sol.


Paulo Oliveira

2º Rua a Virar

da primeira vez que ela me viu
eu trabalhava numa serralharia
perto do rio, e enquanto deitava
os nós dos eucaliptos no leito,
ela falou algo do fundo do peito,
e enquanto eu me questionava
o que seria,
de que ela falava,
a Maria já me esperava
com a merenda nas mãos.

o sol nessa quarta era um sol de domingo
por algo que me escapava
e na verdade, enquanto a música
preferida de Maria tocava,
era essa outra que me perguntava,
com a torcida dos olhos da cara,
porque eu me cansava
de olhar, por quem
há muito
já não estava.

Paulo Oliveira