segunda-feira, 5 de julho de 2010

O Nelo Morreu

tu chegas à rua e vês os punks todos a correr atrás
de um paquete que provavelmente lhes traz sangue
para beber, e os consulados levantando os
telhados para saber como está o tempo e a cor do céu.

O sol parece querer fazer o mesmo à tua cidade
que fez a Roma o Nero, à medida que as nuvens
te dizem " boa sorte, cavaleiro", num tom que
não te parece sincero.

tu queres ir ao outro lado da rua, mas há uma afixação
no poste que se ergue para o céu, sugerindo uma obra
que termina apenas em Janeiro. e tu já sem tempo e
tão velho, procurando ticas de cigarros entre as folhas
do canteiro.

essas árvores, elas vão estar assim enquanto te puderes
lembrar delas, e por agora, não há nenhum vento que apague
as velas que ainda te iluminam a casa: e quem precisa de peles
e vestimentas, quando a estrada reflecte o céu em brasa ?
e para que precisas da dignidade, quando a tua saca, pela sua
extremidade, e sem o teu consentimento, vaza ?

não está ninguém entre nós que esteja velho
em demasia para voltar a ver o mar
e como todos temos pelo menos um espelho
é estranho que só tu não te consigas ver ou alimentar.

o teu mundo está perto de acabar, não está, Nelo ?


Paulo Oliveira

terça-feira, 15 de junho de 2010

A Reencarnação do Older Veemster e o seu Cavalo

o chefe do departamento de construção civil
sabe pouco de edificações turísticas, mas tem em
bom contemplação o que veste. e o que ele ensina,
sobre vigas, é que não podes perder o que nunca tiveste.

as coisas pequenas e doces estam embevidas nas apostas,
e o cheiro nauseabundo que circula o ar vem das fossas,
que o ministério da cultura inaugurou por um papel sobre as costas
do obeso circulador de oxigénio que vende comboios.

Os autocarros, eles têm todos listas azuis, e os bancos,
todos têm tapetes de arroios, para tapar fluídos e consternações
de toda a gente que é regular. Mas não é pelos odores a passado
que te fazem temer entrar, não, é porque tens medo de vê-la passar.

a bandeira da bomba de gasolina atiça-se ao vento
enquanto o condutor da 500 cc se queixa do mau tempo,
e o velho mendigo engole um cêntimo, e reza por uma
transfiguração imediata. do lado desta irrompe a frota dourada
de Mercedes com o pequeno marcador de prata, que demonstra
algo de ostentação pura e pouco barata, e uma consternação
fraca e irremediavelmente dura.

tu colaste a tua fronha ao vidro que ia a passar
sobre a casa da velha D.Dores e pelo bazar, e gritaste quando
viste todas aquelas cores, que inferiste ser por estar mocado,
mas a única coisa que tu querias era voltar a ver flores.

o mar, ele vem salgado, e não parece contente,
nem algo descontentado, mas puro, e veemente
como uma passagem indecente de tempo,
ou um excerto irrelevante de fado.

do outro lado da praça ouvia-se uma doce voz,
morta, de quem quer espaço, e tu ardeste de novo feroz,
pois, afinal, era como ela, uma mulher, e tu és como sempre
foste, um embaraço.

a tribuna mercantil da secção oeste reina ardil mas escondida,
como uma vítima de incesto ou um ser extraterrestre,
ou, mais latamente, um indíviduo padecente de sida,
ou ainda um monstro feio e seriamente lixado, que,
muito ironicamente, controla qualquer um e todos os aspectos
de todas e qualquer uma vida.

e aquele espaço vazio junto à floresta, onde toda a gente
parou para tomar a merenda ou confortar uma sesta,
caiu-te como uma advocação do diabo, pois, invariavelmente,
é para ela que jaz a tua mente quando tens de pensar um bocado.

Paulo Oliveira

sábado, 12 de junho de 2010

65 Feitiços

Vão dois tipos na rua
e tu andas lá núa,
com dois cigarros na boca
com o dobro da velocidade
de uma mota oca a dar a
volta à cidade. oh, e andas
a cheirar o cabelo a toda
a gente que anda a mendigar,
e a levantar o pêlo a toda
a gente que ainda tem pêlos
para eriçar, e a cantar versos,
e a vender garrafas de ar,
e a roubar terços a toda a gente
que ainda tem fé, e a pisar
toda a gente que ainda tem um
pé para pisar.

Os camiões roncam com as suas
cilindradas, e as modelos andam
todas mocadas pela estrada,
e o agente tem um espada,
que ele confunde com uma rocha
foliada, entre as coisas que aqui
estão, e o que não há, que é nada.
O polícia deixou cair o chapéu,
mas não era um chapéu, nada
tinha a ver com um chapéu,
era um véu, e ele era uma polícia,
na planície, " sissie ", que afinal
é uma serra. PÁRA DE TIRAR`
O CÉU DA TERRA.

Paulo Oliveira

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Igreja do Carmo

Na Igreja do Carmo o sino dos sinais caiu,
aparentemente porque um rato roeu o cabo.
Ao par que alguns dizem que é obra do diabo
outros defendem uma fatuidade do destino.

Os missionários confessam os violadores,
em nome do Senhor, e as velas com as suas
cores claras estão agora brutalmente douradas.
A porta de entrada, cheira a verniz e o sacristão
demente coloca intuitivamente na perdiz assada
pitadas de salsa e açafrão.

O vento anda a roçar nas cortinas de seda. O padre
Serafim queixa-se que vem da alameda que corta a
estrada junto ao portão. Tudo isto ele diz, quando
prevê que vem o fim, e tudo indica que foi ele que quis
que ele viesse, porque é assim que ele o tece. Ele termina
todas suas homilías com típico " rezem por mim ",
e um sorriso atípico, que olha todas as
indeterminações da vida, e as assassina.

Paulo Oliveira

segunda-feira, 7 de junho de 2010

És Uma Hipócrita

é preciso ousadia para quereres falar comigo;
enquanto eu pensava que era teu amigo tu
nem sequer escondias o que eu contive para
não andar sozinho.

eu sei a razão de teres fingido por tanto tempo;
tu só querias tocar em tudo o que era meu
e por um único gélido momento
seres exactamente como eu.

quem te diz que eu tenho de te dizer olá ?
se estás insatisfeita com a tua posição social
vai ao ministério do ego na tua cabeça
para mudar essa peça que é desfuncional.

andas por Lisboa a dizer que nós somos iguais;
pois estavas melhor a tomar uma sesta, porque,
apesar de sermos ambos bestiais,
só tu é que herdas o adjectivo de besta.

não percebo porque clamas que sabes tanto;
se logo que chegas à entrada,
quando alguém te questiona tu largas um vago pranto,
e acabas a noite calada.

tu sabes que nunca me hás-de tocar sequer no pé;
porque mesmo que por alguma razão,
digas que já perdeste a tua fé,
a verdade é que te posso dizer na hora
que nunca tiveste nenhuma.

estava destinado a acabar assim;
porque apesar de eu ter acreditado
tão fielmente em ti,
pelo que eu vi, tu nunca acreditaste em mim.




Paulo Oliveira

terça-feira, 18 de maio de 2010

O Último Homem Irritado - II

" O meu pai era um homem, como não há hoje " - olhou-me e mostrava os frágeis dentes, dentro da pele escamosa, presa como orvalho a uma folha morta - " A gente vivia aqui perto de Viseu, em Penedono, e eu lembro-me como uma vez andámos nos nossos cavalos e o meu pai me disse que sabia que eu fumava, ao que fumámos juntos. Mas claro, isto não é o importante, o importante foram as suas palavras: " Sabes, filho, aprecia as tuas lembranças, pois são elas que levas quando morreres. O material fica. "" ..- olhou o chão como se dele guardasse rancor. Continuou -" E eu não ouvi nunca nenhum filho da puta de padre, messias ou Deus dizendo este punhado de palavras. "
Pois eu estava certo que já as ouvira, e não somente uma vez. E à medida que a lua caía com uma professia vazia de emancipação, eu notava, que essa língua morta e irremediavelmente usada,brotava de tal modo absorta que se tornava entediante. E tudo isto porque nem ele, nem eu, naquele momento e naquele lugar, tínhamos alguma coisa. Não havia sequer um vidro que reflectisse a nossa imagem, nem sol que prostrasse a nossa sombra no chão. Como se pode pedir, em consciência, a quem nada tem, que nada tenha, senão com o intuíto de perder tempo ?
Ele benzeu-se quando a sua boca suja tomara a palavra de Deus, como se ele de facto existisse, ou pusesse a sua auto-estima à nossa consideração.

sábado, 15 de maio de 2010

O Último Homem Irritado - I

A conversa jazia morta entre nós. Fitávamos languidamente o céu mastigando o fantasma desta, um silêncio absurdo, enquanto nos tornávamos ao sol em fatalidade. O Correia desenvolvera o hábito de trincar os seus cigarros.
" O meu pai era um homem. " - tornou-se-me Correia, como que pedindo um fósforo - " Era, pois já nos deixou há oito anos, tristemente. "
Logicamente, nada disse, respeitando o silêncio que me caíra bem, como uma reflexão.
" E sabes, jovem ? Ensinou-me muitas coisas. Tanto que te digo, de homem que sou, para futuro homem que serás, certamente, com a benção de Nossa Senhora, e com todo o respeito e educação, que nas religiões, políticas e instituições, não há lugar para homens.. "
Andava à procura de um isqueiro no bolso do blazer, no momento em que parara. Eu dormia sobre a minha comiseração, noturna e tátil, e estava a medi-lo, a olhá-lo com os meus olhos e a ouvi-lo com os meus ouvidos, certo que o que tocava estava realmente ali, e que tudo era, não sagrado, mas anti-sagrado, mundano, tão pobre e irrefutavelmente errado como dois homens discutindo filosofia sobre uma ponte.
Tudo carecia de uma explicação : " Não, não há realmente. "

sábado, 8 de maio de 2010

Dia de Sol

as mulheres no rossio vendem flores
junto ao pátio da velha dona dores
e têm em separado todas as cores
todas elas brancas.

eu não estou a senti-lo, amor.

um homem surdo falou-me
mas eu estava mudo e coube-me
sinalar que o sol estava morno
e as nuvens secas.

eu não estou a senti-lo, amor.

o café da esquina faz o pão sem sal,
e vende-o mas suponho que não haja mal
até porque o melhor dos chás
é aquele que se bebe sem açucar.

eu não estou a senti-lo, amor.

caminhei junto ao mar, só para saber
que era um rio, e toquei-o para achar
nele apenas um charco de água.

não há como senti-lo, amor.

Paulo Oliveira

quarta-feira, 5 de maio de 2010

ela brilha como o sol,

ela brilha como o sol, e arde como um pinhal
na Austrália. ela está distante como as estrelas
e ondula como o mar. acredita, ela pode pegar
na escuridão da noite e pô-la no dia,
só para te fazer reconsiderar !

ela é louca como uma artista, e larga magia
dos seus cabelos quando abanam no ar.
tu sabes, ela é uma hipnotista de se olhar,
e é certo que te ponha de joelhos.

ela toma as concessões que prefere,
quando está cansada ou magra, sabes que o
mundo todo irá acabar. ou quando pegas
na mala e foges, ela tem o seu exército
no teu braço, para te agarrar.

não penses que podes escapar,
não penses que vais ter êxito,
porque o vês nas suas íris,
e não penses que a vais deixar
de amar, quando vês o seu lenço,
com mais cores que o arco-íris.

quando tu tornas os teus olhos sérios,
ou viris, e tentas não tomar como verdade
o que ela diz; repara, homem!, que ela é
toda a tua liberdade. e não vais ser mais
que os cães que comem o que lhes é
arremessado.

em sinceridade, tens o coração podre
e ainda assim estás vilmente apaixonado.
e não é do teu agrado, mas ela é a colectora
dos juros que te persegue e invade o teu espaço.

e não tentes esconder nunca
o teu maço na tua gamela.
tu sabes, que mesmo sem
fumar qualquer cigarro,
a tua cabeça é dela.
invariavelmente, vais
querer
passar a noite com ela.

Paulo Oliveira

O Lamento

quando a vida corre bem sobre as luzes de Viseu
o que foi, não passou e não é mau nem é bom;
é veneno.

esse papel amordaçado que eles pisam era meu
mas eu não o deitei fora por ser obsceno;
tudo o que eu escrevi era som.

quantas vezes eu disse aos ventos, para me levarem
a ver o mar, para me deitarem sobre os fenos;
porque eu sou do céu, e as estrelas, eu duvido que
elas andem a bolsar os seus cabelos.

Paulo Oliveira

domingo, 25 de abril de 2010

Esteves !

oh Esteves ! porque não entendes ? eu não quero perturbar
ou dar convulsão ao seu espaço. eu só quero dormir ao lado dela.
oh homem ! entende : mesmo que me tirasses o coração
eu continuaria vendo razões para me apaixonar por ela.

sabes a ventania que entrava no comboio ? era a janela que
eu abri, essa era a minha paixão ! viste como ela levantou
todos os papéis do divórcio para fora, como um furacão ?
não devíamos ir embora.

porque aquele homem há frente chora ? provavelmente
porque chegou a hora dele. mas a hora dele não é a nossa,
e a nossa hora não é agora. porque olhamos para o ar
como quem vê o futuro, se nem controlámos o passado ?
o que eu digo, e que te entra atravessado, é que nos façamos
como animais ao que nos supera.

o meu amor é uma fera que me revolve, e o amor que sinto
por ela é a gamela onde cuidam os restos da minha imposição.
o que eu sou é falhado.
mas a verdade, Esteves, é que nunca tive tanto desejo de vender
a vida para passar um bocado com ela, oh Esteves,
e isso é sagrado.


Paulo Oliveira

sábado, 24 de abril de 2010

É a Ofélia, atrás do arbusto

é Ofélia, atrás do arbusto, como aquela que Pessoa amava.
podes reparar como ela se move e é sagrada e como o vento
lhe rasa ao lado, como se tivesse pactuado com o Diabo em
como não a revelava.

mas ela, sabes que ela, é a mulher do Diabo. e toda a gente
o sabe, desde o jardineiro que te poda todos os alecrins até
à Amália entre a roda de almeirins enquanto canta o fado.
e tu não pensas nisso, mas tens notado, que ele se afasta
de ti, como se servisses para ser ignorado.

Paulo Oliveira

sábado, 17 de abril de 2010

Como o Documento das Fronteiras ( Foste Ultrapassado )

tu vês o paquete chegar,
com um pacote que nem tentas
alcançar,
mas sabes que este não traz nada
que te satisfaz e estás pelado.

nem sabes a sorte de não
haver uma lei que nos fizesse
não te ver chegar pedrado,
devias ser mandado para a zona
que te viu chegar.

tu sabes que sempre que lês
a ordem morres um bocado,
mas agora serves a Espanha
e foste completamente
ultrapassado!

Paulo Oliveira

terça-feira, 13 de abril de 2010

Convulsão

esqueci-me do chapéu. passei pelo polícia
que prendera o Artur, quando retornei a casa,
e cruzei-me na entrada com o porteiro, seguro
que ainda não passara no dia currente.

atravessei a porta sem a abrir, enquanto
ouvia do meu lado esquerdo uma discussão sobre
plástico. ainda cheirava a ácido,
contundente e profuso, havia ele queimado as heras
que cimentavam o edifício ontem, tardio na sua morte.

saí de modo a aproveitar o sol, mas não senti
qualquer calor, e apesar de ter trazido o meu melhor
chapéu, o meu melhor casaco e o meu melhor acto,
ninguém me resolveu ou avistou.

rompi pelo café,
mas ninguém me viu entrar,
nem havia ninguém que eu esperasse
ou que me fizesse esperar,
e eu procedi passando despercebido.

Paulo Oliveira

O Teu Jardim de Magnólias Verdes

não vês a perfeição do chilreio do abutre
que te segue assumindo que está enganado,
ou a harmonia da flor que cresce entre
o prado, para tocares quando te sentares,
a ver o nascer do sol ?

não notas a histeria dos novos pobres e
a velha prol solta passando ao teu lado,
enquanto carregas um podre rancor
cansado de suportar a tua falta de alegria ?

a verdade é que a noite é escura
como um dia abandonado, e na rua
sempre haverá alguém a vender uma história
que não é sua, mas como és capaz de ignorar
pelo céu fechado a beleza do luar ?

Paulo Oliveira

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A Luz da Manhã

o sol acabara de pôr-se e eu havia chegado;
a papoila que trazia na mão murchava e o
céu cinzento proliferava algo que me era
incerto.

o vento passou adrento do meu peito;
eu levava o meu coração aberto rasando-me
sem vontade nem proveito e o silêncio
caminhando tão perto.

a tabuleta diria mais tarde que ela morrera;
no momento não dizia nada. e a coisa
mais bela que eu faria era esperá-la.

Paulo Oliveira

sábado, 10 de abril de 2010

O Dia em Que o Tempo Morreu

na tribuna do Estado desfalecia um Deus inútil, prostrado
sobre as grades negras como um sonhador desolado, e,
inanimado, jazia um ginecologista bajulador que tentou
animar o travesti errado. no palco, à frente dos lugares
mais bem colocados, um palhaço lançava pó de talco ao
som de fado, e a personagem principal descobriu quem
pensava ter desafiado, que se figurava como um animal
às luzes fortes do Senado.

a cena principal envolvia um limoeiro e celophane que
fazia de plantas e flores, e o rei nos bastidores estava
apaixonado pelas estrelas de todas as cores que envolviam
o céu.
eu lembro-me de tudo isto pois foi nesta peça onde
o tempo morreu.

Paulo Oliveira

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Desejo ( Revisitado )

cuidado ! os santos estão a correr atrás de mim,
e por acumulação provavelmente também estão
a pensar em ti. gostava de os ver todos a chorar
também, reformulando em si o que não é suficiente
para alguém os puder amar, mas isso depende de ti,
não é ?

tenho guardado este pensamento, de que as árvores
crescem, para tu construires o teu império de madeira,
e o vento sopra, para te levar inteira, a voar, pelos campos
onde a relva é tua, ou pelo mar onde essa consciência que
te falta anda núa, da mesma maneira que a minha culpa.

antes tínhamos em quem confiar e a nossa maneira de
beijar era praticamente a mesma. agora deixas-me passear
o meu corpo vazio pelas ruas velhas de Viseu como uma lesma,
este corpo do qual não há certezas se é meu, ou se mo roubaste
também com a tua furtosa delicadeza. e diz-me pois, porque te
anseio, pelo teu corpo e pela tua beleza, ou porque as flores na mesa
parecem querer lembrar-me a cor do teu cabelo. explica-me porque
és exacta e concisa, e não te importas de andar perdida numa incerteza
que só serve para nos arruinar. conta-me as histórias e faz-te de entendida
sempre que eu quiser sorrir,
porque não é o fundo que está anormalmente a subir, mas o
céu que vem caindo sobre nós.

Paulo Oliveira

terça-feira, 6 de abril de 2010

Desejo

a minha vizinha toca a trompeta demasiado alto
e o homem que lhe traz o leite ronca e ouço um
salto do mágico que engole espadas, sempre
que se dá à tentação, e alguém me diz que é má
vizinhança enquanto eu só vejo inspiração.

eu não caminho, mas o chão mexe-se de um lado
para o outro ao sabor da minha intenção, e tenho
um palhaço que mexe cordéis para eu sorrir, e um
lobo que cerra os dentes sempre que quero abrir
a boca.

o meu padre disse-me que teme que sofra de solidão
mas ele sabe que é vê-la na cara dos meus entes queridos
que me parte o coração. talvez se vendesse todas
as árvores do pátio, encontrasse todos os meus ajudantes
que andam perdidos na escuridão. e eu podia ir caminhar
sobre esses tordos mortos, e tropeçar, mas será que tinha
onde cair ?

Paulo Oliveira

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Fatuidade do Destino, Amor

acordei e vi o meu corpo
morto e prostado no topo
do monte.

esse sol, velho e torpe,
com esse brilho torto,
que me conte tudo que se passou,
se foi depois da madrugada
que morri ou se foi a lua
que me matou.

Paulo Oliveira

Estria de Vento

os missionários faziam uma capela com pedras
mas elas iam rolando e nenhuma delas encaixava,
nem nenhum deles reparava enquanto prosseguia
o trabalho, pois andavam iluminados apenas por
uma vela.

eu caminhava todo o dia, e ao lado da capela
havia uma mina, onde o Camprão escavava ouro,
e sempre que passava, ele me perguntava ademais
que raio eu estava ali a fazer. o sol brilha lá em cima
e ilumina-nos a todos, mas há poucos que são plantas
calmas, o resto de nós são praticamente todos animais.

o monte Kilimanjaro estava branco e alguém queria
que se dissesse alguma coisa sobre o assunto ao chefe da tribo,
que funcionava como um delegado com um carimbo,
assinando sobre algo outra coisa qualquer, com poder ou histeria.
um dos missionários estava voltado para a parede, com os dentes
no chão, esperando uma reencarnação, e eu olhava a porta
que ela deixara aberta, e pela estria passava uma brisa que me fechava
os olhos e arruinava qualquer edificação da alma.

Deus não quis acreditar, nem sequer assumiu a tinta negra
nos meus olhos como uma desova por antecipação,
e não quis creditar o cabelo que enchi com creme de açafrão,
não aceitou a desolação nem me levou para o seu reinado.
uns passos longe do poço, caiu como um tordo um monstro,
lento e variado, que nos era tão esperado como a morte.

Paulo Oliveira

quarta-feira, 31 de março de 2010

Pregação de Esquina

o evangelista riscava o seu saxofone, com um giz disforme
de uma cor negra e irreconhecível, enquanto lia a sua lista
de nomes de pessoas vivas que ele queria mortas. o seu
esforço tornou-me em arrepios as costas por ser em vão.

o homem velho era morfológico como o fogo, e analógico
com uma arma nuclear maciça, nem era escasso ou irreal
a surpresa que mostrava sempre que alguém o ignorava.
retirou de um livro um folheto que trava entre os dedos,
de tal forma que todos o afastaram do pinhal.
o homem era fogo mesmo !

eu ignorei-o logo, como se fosse uma vítima traumática
de um incesto, e ele aludiu-me como se fosse uma besta.
não há nada que eu temo mais que quando os deuses são
mulheres.

Paulo Oliveira

terça-feira, 30 de março de 2010

Não te vi

a vendedora de fruta colocou o seu carro debaixo da tua varanda
e as heras caiam-lhe sobre a face. nem que eu tentasse porventura
alimentar-me, viria de novo essa inútil esperança.

pedi que dissessem quando te vissem na capital, algo sobre mim
que me fizesse parecer forte. como podia saber que te olhar me fazia
mal, enquanto tu passeavas pelo nosso norte ?

sabes amor, quando o teu autocarro saiu, eu não o persegui, porque
assim não entendi que era suposto, enquanto o condutor no seu posto
me olhou com desprezo, e eu senti-me preso em algo que não era real.
tinha o meu cigarro aceso na mão, e o fumo deste que eu acendi,
ondeou-se e eu perdi toda a minha visão. mas acredita, amor, que todos
os bafos que fui dando e chorando deram-se ao coração.

o vendedor de alibis estava encostado ao poste de alta tensão,
com um nervo inédito na sua mão. eu passei, entoando um verso,
sobre como matei o meu único irmão, e ele esperava alguma tentativa
de expiação, mas eu não tenho qualquer motivo, senão este de sofrer
prostrado na cama da prisão. ele ignorou-me, olhando o chão com rancor,
e adivinhava nos meus olhos, imaginando subliminarmente, que todos os
homens tornam a cabeça ao chão quando pensam em amor.

eu não tenho motivo para passar nestas ruas, na tua varanda de ferro,
pelo teu colar de diamantes ou pelos teus olhos da cor do ouro. eu sei
que se penso em ti estouro, por isso, em todas as promessas que eu não
desmenti, se passares por mim, finge que eu nunca te vi.

Paulo Oliveira

segunda-feira, 29 de março de 2010

O Sonho do Paulo Oliveira

toda a gente anda a responder a perguntas sobre mim
em busca de respostas sobre eles mesmos, eu bem vi,
a mãe do surdo perguntando-lhe o que ele achava, e
ele, que também era mudo, não lhe disse absolutamente
nada.

toda a gente me anda a perguntar o caminho para
algum lado, do grande fórum até ao estádio, ouvi alguns
dizendo querer olhar por segundos e outros esperavam
encontrar alguém para planear um golpe de estado.

toda a gente que pensa que sabe sobre alguma coisa
vem-me dizer que eu sou muito versátil e contráctil,
mas infelizmente nem esticado dá nada, nem para nadar,
como aquela estrada que eles construiram no meio do mar.

toda a gente me tira fotografias, a tentar roubar-me
a alma, como se fosse algo essencial, e eu ouço-os
e poucas não são as vezes que me apetece ser louco
e começar a terceira guerra mundial.

Paulo Oliveira

domingo, 28 de março de 2010

Trinta e Oito, Vinte e Cinco (38,25)

Atrás do Parlamento, nas ruas em que o
momento se recolhia pelos deputados
nas pontas dos cigarros de secretários de
estado, todos escusados e todos internados
nalguma espécie de suposição, enquanto
o Presidente da República consumava
os seus supositórios com a cabeça erguida
em comulsão, algum parvo tentava
passar uma lei sobre a fragilidade da população,
que exigia o reconhecimento e a sua afixação.

O meu segundo filho da terceira noite,
com a quinta mulher, disse qualquer afirmação,
antes de se remeter para a prisão, qualquer coisa
sobre o segundo da quarta noite, que me fez pensar
na mãe do décimo filho, antes de me ver perdido,
no meu próprio desejo escondido, que eu julgava
perdido, de ter um tesão.

A compensação da mulher do barbeiro,
está escondida atrás do candeeiro, uma conjunção,
sobre um terreno com um grande poço de petróleo
e o raio do velho, vê o seu negócio iluminado a óleo
ou a azeite que as corujas bebem. Do outro lado
os putos engolem leite misturado com aguardente,
porque no Alentejo o sol pode bater no chão,
mas a garganta nunca fica tão quente.

Eu estive acordado a noite toda,
a bater nas grades da janela, a brincar com
o meu pente, e as pessoas passavam
com um jeito indecente, lá pela rua dupla,
e estava a pensar como o sol fica bonito,
quando está a cair. Se eu morrer no topo
deste monte, alguém se lembrará de mim ?

Paulo Oliveira

Abrigo da Tempestade

tu gostas de tudo o que é doce, e eu sou como a brisa
suave de Maio que nasce do sol. tu beijas tudo o que
é grave e eu tenho o coração mole. agora agarras-me
mas foges de mim, e ignoras tudo o que te digo sobre
disparares para o céu, se não tens a certeza
onde a bala vai cair.


o sol lá fora brilha, sabes, e no teu abrigo, há nuvens
grandes a abrir, e as paredes parecem partir,
como se fossem os carrascos do teu bem merecido
castigo.

Paulo Oliveira

sábado, 27 de março de 2010

Eu Sou Um Jogador

Se eu tivesse de pagar pelas dúvidas
que te fiz ter, pelas lágrimas que tive
de ver, e pelo tempo que te fiz esperar,
então que nunca te toque mais,
ou mais facilmente me tirariam o ar.


Se alguma vez tiveres de responder
por tudo o que me fazes sentir,
eu provavelmente estarei a ir,
até ao cais.

Paulo Oliveira

quarta-feira, 24 de março de 2010

És uma Hipócrita

Insistes em vestir-te de preto quando vens à luz do sol,
e caminhar contra as brisas e o vento que te incrimina
quando os pedaços de papel voam e alguém te felicita
pelos desenhos que fizeste e dizias serem poemas.

É o mais certo, que adores a primavera, mas ainda
assim gritas às andorinhas para sairem de perto de ti.
Provavelmente também dizes aos desesperados e aos
inúteis para confiar um pouco mais em si.

Não negues que por vezes pisas os meristemas das plantas
para ninguém te dar dessas flores que adoras, mas que te
fazem quebrar, de todas as cores que devoras quando
finges sono para ninguém saber que estás a sonhar.

Nem que enganasses mil advogados a acreditarem na tua
inocência, nem que oferecesses trocasses com os mendigos
as tuas posses por alguma convalescência, nem que passasses
por perigos por alguém a quem falta decência, ainda assim
terias esses olhos mortos e essa cara vermelha, que treinas
durante horas à frente do teu espelho.

E tu lutas por não puderes amar, quanto eu luto
por ti. Era fraco da minha parte
deixar tudo acabar
assim.
Tu sabes, toda a gente que luta contra si mesma, morre sem nunca
ver dela o fim.

sábado, 20 de março de 2010

Chuva Inútil

o fio do rio trazia ramos finos como veias
esquecidos pela tempestade ocorrida
no dia anterior, quando ela disse que
as minhas palavras lhe abriam uma
estúpida ferida de uma estranha cor.
eu não podia saber o que me esperava
e até ela, que colhia as maçãs do pomar
com todo o seu amor, compreendia que
essa dor era dela, e eu só podia tentar
acalmá-la.

acordei com os meus olhos fitando o chão
e a única questão que me assombrava,
enquanto os camiões passavam na estrada.
os condutores obesos buzinavam e os sons
sobrevoavam a minha cabeça, mas o meu
coração é mole e o seu amor é tanto um pouco
obscuro. tomara que essa rua fosse de ouro,
e o meu coração fosse puro, mas a névoa é
espessa, e eu não espero por mais nada.

ela, que provavelmente só respira quando
a brisa sopra forte, não quis saber porque
tinha o meu pensamento e porque acabara
de lho dar. não se lembrou da minha morte
nem por momentos, e considerou por sorte
que eu tivesse parado de pensar.
e a verdade é que caminho e vou pensando
e tocando nas árvores, nas suas folhas e nos
seus frutos, e ainda sinto que no céu vão
sobrevoando, sobre mim, um punhado de
abutres.

os livros sobre metamorfoses iam ficando
molhados no meu bolso, pela chuva que cai,
e ninguém andava na rua pois mais certamente
é essa mesma idosa que segue o seu caminho núa.
este lugar nunca me fez bem e foi uma má estreia,
mas, a bem ver, não havia outra maneira de apreciar a lua.

ela chama-me de inútil, eu considero-a difícil,
a vida é recta porque ignora a curva.
antes, falava-lhe ternamente de amor e
de circunstâncias, e agora cito Neruda para a chuva.
não estou cheio de raiva, mas também não tenho
nenhuma paz, nem não há outro pedido que me
acesse e nem nada que me satisfaz, senão esta chuva,
tão alegre em me molhar, a arrastasse consigo sobre o rio,
e a levasse para o fundo do mar.

a verdade é que não não preciso de emoção
para sonhar, nem despedidas para chorar,
mas faria tudo para olhar, sobre o candeeiro
junto ao rio, a consideração dela enquanto
eu sorrisse, ao alto, fugindo, tão inútil
quanto ela !

Paulo Oliveira

Vento Idiota

eu amo-a como
o vento ama as flores que desfaz
e os arbustos onde o caule jaz
intacto.

como o fogo que queima
quem dele se aproxima
e como o padre adulador
que desdiz tudo o que vaticina

como o cancro
que suporta toda e
qualquer medicina,
eu a amei, paciente e franco.

Paulo Oliveira

É Preciso Muito Humor, É Preciso Muito Tempo

os dois homens que entraram pelo Cais
vinham a espirrar e a remoer sobre o empresário
das minas dos sais que eles iam escavar
até alguém se lembrar de tomar a conclusão mais
drásdica de os embebedar.

e eu olhava-os com os olhos vidrados
e os meus cabelos abanavam-se e estavam cansados
do vento e da brisa do mar.
alguém me empurrou e se desculpou
mas a verdade é que eu estava ocupado
a engolir e a divagar, e esses mineiros
fitaram e engargaram os amendoins
para a pistola de dois canos que eu tinha na mão.

o cano abriu-se e não tinha balas
nem lanças nem setas,
nem facas nem picaretas,
enquanto eu entoava as escalas
de blues que eu conhecia e outro copo de Golden Strike
viria nas mãos dos empregados.

outro me empurrou,
" hey, cuidado, rapaz "
mas nem o matar é coisa
que me satisfaz. "rapaz,
sê audaz, e desaparece,
isto é uma coisa estatal,
aqui ninguém quer começar
a terceira
guerra mundial"

era certo que os mineiros voltariam a falar
de algo que os voltasse a incomodar,
e os professores de universidades bêbedos
iriam dizer que a vida é um remédio
os filósofos da Avenida dos Aliados iam
encontrar qualquer razão para te dizer
que pensar numa mulher é assédio
e os barcos iriam continuar a passar.

a minha camisa dizia algo nas costas
que passava por " sou transparente "
e na minha testa estava escrito que eu
era invisível, porque a mármore do bar
tinha a mesma cor de pele que eu e a senhora
dos shots ainda não me havia servido,não havia
incómodo em me empurrar. o ponto alto da noite
seria que eu poderia dizer algo indecente
e podia incomodar toda a gente a toda a hora.

o advogado da Segunda Rua para o Monte
subiu à mesa gritou pela demora
e aplepsou-se junto à fonte. eu pergunto-me
se alguém me enterrava,
se eu morresse no topo do monte.

Paulo Oliveira

quarta-feira, 17 de março de 2010

O Alto Sol a Nascer na Encosta da Praia

eu quero veado com salsa,
ela quer correr descalça,
eu digo-lhe que pode ser sujo
e para ter atento de pregos,
mas ela é surda e os meus
olhos teimam em estar cegos.

Adoro-a do Fundo do Meu Coração

a instituição gere-se no cimo do vale
por todos os candidatos e o capitão
a instituição gere-se no fundo do espaço
onde não há nada que estale
nem terra para plantar açafrão

os candidatos vivem em grupos de três
todos em pares , todos concordam
entre si, todos têm opiniões díspares,
todos têm cabelo, nenhum tem cabelo,
todos têm ares, todos têm opinião,
mas não há um que tenha um pulmão.


(têm todos dois.)

a instituição é perto da casa do capitão
que vive no cume de uma montanha
situada numa planície onde vive um
artifíce que faz uma mistela castanha.

todo o teu amor, para nós,
é reconhecidamente pouco.


Paulo Oliveira

terça-feira, 16 de março de 2010

A Nossa Chuva são Cobras que Caem

na casa de cianeto onde os leões habitam
alegram-se sempre que os veados saem
e a única chuva que nós temos e sentimos
são quando todas as cascavéis caem.

Nós estabelecemos um novo baixo,
como as moléculas radioactivas que decaem,
ou quando de uma videira de bons vinhos,
cai gravemente um bom cacho.

Paulo Oliveira

As Pessoas Acenam Para a Minha Janela

Sou o absoluto. Algo que me preceda ou proceda
não é quantificável ou imaginável.
Todas as mulheres que passam pela minha janela
com o coração volátil,
incendeiam-me a alma.

Sou o Ômega. Tudo o que existe fora do meu corpo
é a materialização do meu pensamento.
Todos os homens que passam pela minha janela
divagam sobre algo,
perdendo o seu tempo.

Paulo Oliveira

sábado, 13 de março de 2010

Abrigo Nuclear do Sol

Não há muito tempo,
eu tinha uma casa
cuja estrutura se assentava
em nós negros de madeira
e toda a gente que por lá passava
sorria e perguntava
o que guardava na algibeira.

Eu nunca vi uso dos nomes
se todos se agitam da mesma maneira
e nunca percebi
porque o padre usa botas
se já nasceu na lama.

Não é raro que o abáde guarde
todas as suas preciosidades,
em paredões no meu sótão,
e recite dos seus livros
em noites de tempestades
alguma oração
aos corvos e à lua

A casa tem janelas com cortinas
para esconder a falta de sensações,
sabendo que o meu coração,
não é falso, mas é mole,
e tem um telhado que não deixa
entrar a chuva, nem que brilhe o sol.


Paulo Oliveira

2º Rua a Virar

da primeira vez que ela me viu
eu trabalhava numa serralharia
perto do rio, e enquanto deitava
os nós dos eucaliptos no leito,
ela falou algo do fundo do peito,
e enquanto eu me questionava
o que seria,
de que ela falava,
a Maria já me esperava
com a merenda nas mãos.

o sol nessa quarta era um sol de domingo
por algo que me escapava
e na verdade, enquanto a música
preferida de Maria tocava,
era essa outra que me perguntava,
com a torcida dos olhos da cara,
porque eu me cansava
de olhar, por quem
há muito
já não estava.

Paulo Oliveira