terça-feira, 18 de maio de 2010

O Último Homem Irritado - II

" O meu pai era um homem, como não há hoje " - olhou-me e mostrava os frágeis dentes, dentro da pele escamosa, presa como orvalho a uma folha morta - " A gente vivia aqui perto de Viseu, em Penedono, e eu lembro-me como uma vez andámos nos nossos cavalos e o meu pai me disse que sabia que eu fumava, ao que fumámos juntos. Mas claro, isto não é o importante, o importante foram as suas palavras: " Sabes, filho, aprecia as tuas lembranças, pois são elas que levas quando morreres. O material fica. "" ..- olhou o chão como se dele guardasse rancor. Continuou -" E eu não ouvi nunca nenhum filho da puta de padre, messias ou Deus dizendo este punhado de palavras. "
Pois eu estava certo que já as ouvira, e não somente uma vez. E à medida que a lua caía com uma professia vazia de emancipação, eu notava, que essa língua morta e irremediavelmente usada,brotava de tal modo absorta que se tornava entediante. E tudo isto porque nem ele, nem eu, naquele momento e naquele lugar, tínhamos alguma coisa. Não havia sequer um vidro que reflectisse a nossa imagem, nem sol que prostrasse a nossa sombra no chão. Como se pode pedir, em consciência, a quem nada tem, que nada tenha, senão com o intuíto de perder tempo ?
Ele benzeu-se quando a sua boca suja tomara a palavra de Deus, como se ele de facto existisse, ou pusesse a sua auto-estima à nossa consideração.

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